sábado, 26 de maio de 2012

TU




Sou apenas eu
Mero ser sem fantasia
Sem buraco negro
Sem teogonia.

Mas de repente Tu me arrebatas
eu, do mundo dos vivos,
Transcendo ao dos imortais
Sou feliz, amante, Teu, todo Teu.

Mas Tu me me dizes não
E me devolves insano
Sou novamente pobre, reles mortal
Sem Ti não sou nada além de mim mesmo.

Sofro, respiro, rezo
A oração me guia
Me leva a um só caminho
A solidão me pega, me domina.

De súbito estou sóbrio, até rio
Mesmo sendo apenas eu
Mortal sem signo, sem salvação
mesmo sem Ti.

Mas de repente Tu me arrebatas
(Professor Alves, 18/11/11)

sexta-feira, 11 de maio de 2012

PARA TODAS AS MÃES DO MUNDO E DO CÉU

Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

(Por Carlos Drumond de Andrade)

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A HUMANIDADE E SUAS DIFERENÇAS



Grandes homens falam palavras de muita sapiência. Isso todo mundo sabe. Os livros e páginas da internet estão repletos deles e delas. E mesmo a nossa memória não deixa que alguns ditos fantásticos se percam com o tempo. Lembro-me de muitas dessas pérolas. A que mais me é recorrente é uma de machado de Assis, presente no romance Quincas Borba. Escrevo-a à guisa de exemplo: “Para que servem os calos, senão para aumentar a felicidade dos pedestres!”
Mas mesmos grandes homens e mulheres dizem um tanto de besteiras, de vez em quando, sem querer ou mesmo querendo, impulsionados por momentos de paixão, em que a razão pede para descansar, deixa o cérebro hibernando, enquanto o coração toma as rédeas dos atos e da boca e da pena. Só isso justificaria os versos de Vinícius de Morais:
“Se todos fossem no mundo iguais a você
Que maravilha viver!” (a exclamação é nossa)
Imaginem todos no mundo iguais à musa do Poetinha (que de inho não tinha nada)! Por mais linda, por mais faceira, por mais gentil que ela fosse seriam desnecessários todos esses adjetivos.
O que faz o mundo saboroso de viver, instigante, atraente; o que torna a vida, mesmo amarga, cheia de percalços, mesmo com suas desigualdades, preferida à morte são as diferenças de todos os naipes. Há pessoas que sonham com um mundo de igualdades. Mas é como se vivêssemos em preto e branco, viver seria sensabor, inodoro. É o arco íris humano que torna de fato o estar aqui, respirando sobre a terra, maravilhoso. Deixemos que as pessoas sejam loiras e negras, morenas e pardas, altas e baixas, magras e gordas, belas e nem tanto. Vá que a humanidade seja abastada e paupérrima, triste e feliz, crente e ateia. É o desafio de minorar o sofrimento, a tristeza, a pobreza que dignifica o viver, enobrece a luta, pois, se todos fossem iguais a mim ou a você, viver não teria nenhuma graça.   
(Professor Alves, 05/2012)

sexta-feira, 27 de abril de 2012

EU TE AMO


              
         “Eu te amo.” É a frase mais dita e ouvida no mundo inteiro. Mas o interessante é como se diz: “Eu te amo...” baixinho, quase sussurrando, deprecando, quase implorando ao ser amado que devolva esse amor. Ou então “EU TEAMO!” arrogante, mandando, exigindo que a pessoa amada também o ame e propague ao mundo esse amor. Já ouvi, acho que numa música, um “Eu te amo, porra.” Esse não é arrogante, é intimidador, ameaçador. “Não vai me amar...? tente pra ver o que lhe acontece...” Coitado do ente ‘amado’. Já ouvi num desses cartõezinhos que são veiculados na rede um "Sorria, eu te amo". Dá pra perceber a importância do ser amado! Nenhuma. Importante aí é quem ama, pois é o motivo da alegria  de quem é amado, quando deveria ser exatamente o contrário. E assim vai.
              Durante o Romantismo, refiro-me ao período do século XIX em que predominou esse estilo de época, dizer “Eu te amo”, era um bom negócio. A sociedade estava precisando de ‘bons casamentos’ para produzir ‘boas famílias’. Mas “eu te amo” também era dito a beira de penhascos, em bosques ermos. E nos dois casos se a resposta fosse “mas eu não te amo”, o precipício seria a morada derradeira do amante não correspondido. Ou se dizia “eu te amo” entre quatro paredes, a sós, sem ninguém para ouvir. Só o amante e sua solidão. E assim já sabemos como fica o verbo amar.
              Já no período em que a máscara dos amantes caíra, refiro ao período do Realismo, dizer “eu te amo” era um caso de adultério, pois só as amantes casadas ouviam de seus amantes e não dos maridos “eu te amo”, flácido, apenas com interesses que não eram financeiros.
              Mas foi talvez no período das novelas televisivas iniciadas já na década de sessenta que dizer “eu te amo” tornou-se moda. E todos repetem inspirados nas novelas das seis, sete... “eu te amo”, mas sempre com tons suplicantes, arrogantes, ameaçadores. E o amor assim se torna moeda de troca ou de compra ou de mando. Não vamos mexer em jornalismo, mas quantas pessoas morreram só nos últimos anos ou mataram porque quem era amado não correspondia a esse estranho amor!

              O certo é que ninguém doa amor, ninguém ama para amar e ser feliz. Ninguém diz “eu te amo, obrigado”. Obrigado pelo quê!? Pela pessoa amada existir. Ninguém fala: “Eu te amo, obrigado por você existir, por eu ter a quem amar. Minha vida era tão sensabor, inodora, incolor até que você apareceu e eu encontrei um motivo para viver, um motivo para respirar. Minha vida hoje é um arco íris cujas cores alegram e enfeitam o que antes não tinha sentido.  Que alegria ter você no mundo. Não, não precisa me amar, viu. Seria ótimo se você me amasse, mas não dá, eu sei. Valeu mesmo, muito obrigado.”
(Professor Alves, 04/12)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

ÀS SEIS DA TARDE


Às seis da tarde
as mulheres choravam
no banheiro.
Não choravam por isso
ou por aquilo
choravam porque o pranto subia
garganta acima
mesmo se os filhos cresciam
com boa saúde
se havia comida no fogo
e se o marido lhes dava
do bom
e do melhor
choravam porque no céu
além do basculante
o dia se punha
porque uma ânsia
uma dor
uma gastura
era só o que sobrava
dos seus sonhos.

Agora
às seis da tarde
as mulheres regressam do trabalho
o dia se põe
os filhos crescem
o fogo espera
e elas não podem
não querem
chorar na condução
Marina Colasanti

quinta-feira, 19 de abril de 2012

EMBRIAGA-TE


http://imgs.obviousmag.org/archives/uploads/2006/061112_pissaro_montmartre1.jpg


Devemos andar sempre bêbados.
Tudo se resume nisso.
Para não sentires o tremendo fardo do tempo que te pesa sobre os ombros e te verga ao [encontro da terra,  
Embriagar-te sem cessar.
Mas com quê!
Com vinho, com poesia, ou com a virtude.
A teu gosto.
E se alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre as verdes ervas de uma vala, na [solidão morna do teu quarto, no adro de uma catedral ou sob o sol causticante da [caatinga tu acordares com a embriaguez atenuada ou desaparecida, 
Pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que se cala, a tudo o [que grita, a tudo o que canta, a tudo o [que fala;
Pergunta-lhes que horas são: 
"São horas de te embriagares.
Para não seres como os escravos martirizados do Tempo, injustiçado dos homens, 
embriaga-te, embriaga-te sem cessar. 
Ma como quê!
Com vinho, com Poesia. com a virtude".
A teu gosto!
(Baudelaire, adaptado)

sábado, 7 de abril de 2012

O GATO E O GALO

               

Sempre que observo uma pessoa preocupada se há alguém pronta a molestá-la, lembro-me de uma história que meu pai contava sobre o camundongo que saiu pela primeira vez ao quintal. É bem provável que você já tenha ouvido uma versão dessa história, e é provável também que já tenha feito a reflexão que me perpassa a mente quando me lembro dela.
               Conta a narrativa que uma camundongo, com poucos dias de estada (estadia é só pra navio) no mundo, implorou à mamãe ratazana que o deixasse passear uma pouco no quintal. A mãe, temendo pela segurança do filhote, já adiara esse passeio algumas vezes. Mas agora não tinha jeito, era esse o destino dos filhos, ela sabia “que depois que cresce o filho vira passarinho e quer voar”. Deu então a permissão para que o filhote fosse enfim conhecer o mundo. Mas não sem antes cobri-lo de cuidados: “Cuidado com o sereno, não vá se expor ao sol, cuidado com comida estragada e... cuidado com o gato. Que bicho terrível é esse tal de gato. Vive a nos perseguir, não nos deixa em paz. É deveras espalhafatoso, tem uma cauda enorme e, quando vê um de nós, se arma todo. Ai, quantos de nós já padecemos nas mãos desse terrível assassino”.


               Assim, no dia seguinte, saiu para passear, cheio de cautela, nosso amigo ratinho. Com um gorrinho na cabeça, para não padecer ao frio, nem sucumbir ao sol. Assustado observando atentamente a presença do perigo. Olhando para uma janela, viu um animal muito bonito. Este dormia e não pôde vê-lo. Como era lindo, pensou o ratinho, fofo, com pelos alvos como as nuvens contadas pela mamãe. Devia ser um desses bons amigos de nossa família. De súbito ouviu um barulho terrível, assustado, viu aquele animal cheio de penas, amarelas e pretas num contraste assombroso e fazendo um cocoricar de arrepiar os pelos do pobrezinho, que de imediato concluiu: “aquele deve ser o tal de gato, que tantos males nos faz”.  E voltou assustado para a toca.
(Professor Alves, baseado em uma fábula popular)