Todos os anos
morrem no estado do Ceará cerca de 600 pessoas vítimas de suicídio, segundo
dados do Jornal O Estado, de 5 de setembro deste ano. E na maioria dos casos as
pessoas que tiram a própria vida são jovens. Esses números elevam nosso estado
ao terceiro lugar no ranking do país. Em contrapartida, o número de
assassinatos de jovens e adolescentes eleva o estado do Ceará ao primeiro lugar
do país. Mas o que me trouxe às teclas foi a preocupação com outro tipo de
suicídio e de assassinato: a destruição do que deveria ter sido e não é; e do
que deveria ser e não foi.
Explico.
Imaginemos que o nosso estado possui uma quantidade muito grande de sonhos
destruídos pela infeliz falta de coragem e/ou falta de empenho dos pais para
que pudessem ser concretizados. Os
shoppings estão repletos de jovens trabalhando em lojas, lanchonetes; as ruas
estão cheias de jovens carregando carrinhos de reciclagens; os sinais
abarrotados de jovens vendedores de água, laranja ou coisa que o valha. Todos
mortos! Um funeral de sonhos imensurável! Quantos médicos, engenheiros, juízes,
jornalistas, inventores que deveriam ser e não foram. Mortos todos ainda na
juventude, pela falta de empenho individual, ou pela falta de empenho dos pais.
Quantos pais colocam seus filhos em grandes escolas, com mensalidades exorbitantes, certos de que a escola irá transformá-los em grandes homens e grandes
mulheres. Como estão enganados. Quem transforma os filhos em engenheiros,
advogados, jornalistas, escritores, inventores não são as escolas, mas os pais,
com sua doação, dia após dia, incomodando e incomodados.
Aí quando
chegamos à escola pública, os suicídios e assassinatos se multiplicam, pela
lerda ilusão de que a escola é responsável pelos filhos. Não, a escola é
responsável por desenvolver projetos pedagógicos. Quem transforma os sonhos dos
filhos em realidade é a família. Quando perguntamos aos garotinhos e às
garotinhas o que vão ser quando crescerem, ouvimos palavras bonitas projetadas
em sonhos profissionais, todos imbuídos no desejo de crescerem e verem seus
castelos grandes e fortes, sonhos realizados, mudando a família, a comunidade,
a sociedade. Aí eles crescem e não dão em nada. Praticaram o suicídio do que
deveriam ser, e para auxiliá-los contaram, na maioria esmagadora dos casos com
o concurso dos pais e/ou dos responsáveis, homicidas de destinos!
Certa vez vi
uma criança deixar uma repórter da Tevê Verdes Mares muda. A mesma fazia uma
matéria sobre uma escolinha de futebol numa comunidade. O garotinho, bom de
bola, foi interrogado pela repórter sobre o que queria ser quando crescesse. A
repórter esperava que o garotinho dissesse que queria ser jogador de futebol,
mas o mesmo respondeu-lhe peremptório: “médico”. A moça ficou sem saber o que
dizer e encerou a matéria. Será que esse garoto, dentre tantos que querem ser
jogador, que sonhava ser médico realizou seu sonho e se transformou em um
grande doutor? Essa resposta não tenho. Mas tenho a certeza de que, como ele,
muitos outros sonham com o jaleco branco e o estetoscópio, ou com a régua do engenheiro,
ou com os papeis da jurisprudência, ou com o microfone da repórter.
E onde vão
para todos esses profissionais? No cemitério, na vala comum dos sonhos
destruídos suicidados ou assassinados. Na lápide de cada um está escrito: “aqui
jaz doutor fulano de tal, morto aos 13 anos e substituído por um funcionário no
balcão da exploração trabalhista, ou pela calçada da comunidade onde foi
criado, latente em memórias úmidas descansando em um copo de cachaça”.
O grande
estudioso do destino dos jovens brasileiros, Darcy Ribeiro, disse certa vez que
a crise da educação brasileira não é uma crise, mas um projeto. Tudo muito bem
urdido pelas elites e pelos governos, de esquerda ou de direita. Tudo muito bem
planejado para manter a elite no poder e os pobres cada vez mais pobres,
submissos aos salários irrisórios que são pagos, para que se paguem contas e
nunca se abandone o destino que lhes foi traçado nas maternidades das
periferias. É o eterno retorno contínuo. Filho de pedreiro pedreiro deverá ser;
filho de arquiteto, sê-lo-á sempre. É que me lembrei de um episódio
interessante. Enquanto aqui no Ceará, na construção do Castelão, em 1971, um
filho trabalhava com o pai, este pedreiro, aquele, servente, e quarenta anos
depois a mesma história se repetia; o pai pedreiro, e a filha, também. Em Belo
horizonte, na reconstrução do Mineirão para a copa de 2014, um arquiteto trabalhava
com o pai, que em 1971, na construção do mesmo estádio, era um dos engenheiros.
Coincidência? Duvido. Nada é por acaso, tudo é planejado.
Sabemos que
Darcy Ribeiro está correto quanto ao projeto urdido pelas elites de gerar a crise na Educação. Sabemos também que os
recursos destinados à Educação neste país são frágeis e podem ser retirados a
qualquer instante, como o fez a ex-presidenta Dilma, ao reduzir em 8 bilhões o
orçamento da Educação para 2016, inviabilizando qualquer projeto realmente
social, como o Mais Educação. Mas também é verdade que os pais precisamos doar
nosso tempo aos nossos filhos, incomodando-os e sendo incomodados por isso, para
que seus sonhos não afundem, não sejam sepultados sob sete palmos memória
abaixo, e que não se tornem, num futuro bem próximo, uma lembrança
distante e uma angústia a mais.
(Francisco
Alves de Andrade, 09/16)