sábado, 6 de maio de 2017

HÁ METAFÍSICA BASTANTE EM NÃO PENSAR EM NADA




(V poema do livro O Guardador de Rebanhos, de Fernando Pessoa pelo heterônimo Alberto Caeiro)

Vamos iniciar nossa reflexão de hoje pelo trecho “mas ela não tem cortinas”. Aqui ele completa a sequência de versos

“Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).”

E por que sua janela não tem cortinas? A resposta é simples. Caeiro é o poeta da natureza. Vive para admirar a natureza e só nela refletir. Se pusesse cortinas em suas janelas, como iria observar a natureza, como iria admirar os pores do sol, as árvores a chuva. Aí reside toda sua metafísica, ou antimetafísica, como querem alguns estudiosos, como Antônio Afonso Borregana e Bárbara Ferraz, ambos professores de português em Portugal.
Assim ele nega a existência daquilo que seus olhos, sentido primordial para Caeiro, não podem alcançar. Logo ele não acredita em Deus porque:

“Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!”

Agora se Deus for as árvores, a chuva e tudo o mais que seus olhos e seus outros sentidos possam alcançar, então a crença em Deus passará a fazer parte de sua pessoa. Porque sua simplicidade de guardador de rebanhos, mesmo nunca os tendo guardado (ver poema I) não permite que acredite no mistério. Não há mistério. O único mistério real é não haver mistério algum. Se alguém fechar os olhos deixará de ver o sol, e o sol vale mais do mil pensamentos. Então para que pensar? Aí reside toda a objetividade da poesia de Caeiro, reside toda sua simplicidade. Tudo na vida é simples. Quando pensamos no porquê ou no “sentido íntimos das coisas” estamos destruindo sua real beleza por que o grande mérito da existência das coisas é “elas não terem sentido íntimo nenhum”. O poeta após refletir sobre a existência/inexistência de Deus ele nos remete a uma visão panteísta do mundo. Logo, se Deus existe  ou Deus é tudo que está na natureza, eis então a desnecessidade das religiões, porque assim a vida do poeta

“é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos”

Aí está onde reside toda a poesia e toda a vida do poeta: ver, ouvir sentir através do tato ou do olfato toda a natureza, que representa a simplicidade a objetividade. Toda a metafísica do poeta resume-se em uma profissão de fé, que é a crença na existência de Deus porque ele se mostra a ele durante todos os momentos:

“E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora”.
(Professor Francisco Alves)

sexta-feira, 28 de abril de 2017

B DE BELA BALA OU BOMBA?




(Sobre um estou que se ouviu na escola)

Deu-se que era um dia normal
Desses que a gente sabe
Que nada vai acontecer de mal
A gente pensa mas não sabe
Pensa que é os dia é tudo igual!

Na verdade era noite não dia
Noite de luz, forte da lua,
Noite bela de atraente alegria,
Noite de beijos e baixos sussurros
Noite de mão que tudo acaricia!

De repente ouviu-se booomm!
Ou terá sido um alto Pê!?
Decerto não fora apenas um pum,
O barulho foi ensurdecedor,
Pareceu mais um forte Tuuum!

Todos correram pra ver o que era
Ninguém se entendia de verdade
Alguém disse “aquele tiro quem dera?”
“Que tiro, que nada foi bomba!”
Outro adiante dissera!

Todos dispersaram naquele dia
A polícia foi chamada às pressas
Logo logo a escola ficou vazia!
Não se chegou a nenhuma conclusão
Só medo nas faces reluzia!

No dia seguinte era grande a discussão
Sobre o que era de fato o barulho
Uns diziam “foi bala, não duvide não!”
Outros diziam “foi bomba caseira!”
Estabeleceu-se pois a reunião!

Professor Luciano, cabra entendido,
Disse: “tiro é seco, assim, pêi”
E fez um jeitinho com o braço estendido
Que pareceu uma donzela em suspiro
Esperando da guerra o marido!

Professor Magno disse: “embaixo eu assino,
Se fosse bomba o som se expandiria
Mas não! Isso foi bala de homem assassino
Foi seco, repetitivo, assim, tá-tá-tá!”
E todo gritaram, “ui seu minino”!

Miguel que tudo isso escutava
Disse, eu de nada sei, juro por Deus
Não sei porque cá não estava
Estava a procurar pela Jarina
Porque comigo se punha brava.

Sthephanny, com sua bela vozinha
Disse, “calma, a coisa não é tão feia assim,
Dizem alguns de forma bem bonitinha
Que não foi bala, o estampido ouvido
Acho que foi bomba, e bomba bem fofinha!”

“Gente, pelo  amor, não foi bala, foi bomba”
Disse a diretora, acabando com a história
“Quem disser o contrário, de mim zomba!
Achamos esse artefato no banheiro
Que mais parece caroço de pitomba.”

Eu, como não estivesse lá no dia,
Fiquei só ouvindo de boca fechada
E pra não acabar com alheia alegria
Fiz a única coisa que aprendi
Fiz para vocês essa humilde poesia!
(Francisco Alves)

sábado, 22 de abril de 2017

ANÁLISE DO POEMA ESTA TARDE A TROVOADA CAIU


Atividade do grupo Caminhos da Leitura, realizado em sábado, dia 22 de abril de 2017

Esta Tarde a Trovoada Caiu
Esta tarde a trovoada caiu
Pelas encostas do céu abaixo
Como um pedregulho enorme...
Como alguém que duma janela alta
Sacode uma toalha de mesa,
E as migalhas, por caírem todas juntas,
Fazem algum barulho ao cair,
A chuva chovia do céu
E enegreceu os caminhos ...
Quando os relâmpagos sacudiam o ar
E abanavam o espaço
Como uma grande cabeça que diz que não,
Não sei porquê — eu não tinha medo —
pus-me a rezar a Santa Bárbara
Como se eu fosse a velha tia de alguém...
Ah! é que rezando a Santa Bárbara
Eu sentia-me ainda mais simples
Do que julgo que sou...
Sentia-me familiar e caseiro
E tendo passado a vida
Tranqüilamente, como o muro do quintal;
Tendo idéias e sentimentos por os ter
Como uma flor tem perfume e cor...
Sentia-me alguém que nossa acreditar em Santa Bárbara...
Ah, poder crer em Santa Bárbara!
(Quem crê que há Santa Bárbara,
Julgará que ela é gente e visível
Ou que julgará dela?)
(Que artifício! Que sabem
As flores, as árvores, os rebanhos,
De Santa Bárbara?... Um ramo de árvore,
Se pensasse, nunca podia
Construir santos nem anjos...
Poderia julgar que o sol
É Deus, e que a trovoada
É uma quantidade de gente
Zangada por cima de nós ...
Ali, como os mais simples dos homens
São doentes e confusos e estúpidos
Ao pé da clara simplicidade
E saúde em existir
Das árvores e das plantas!)
E eu, pensando em tudo isto,
Fiquei outra vez menos feliz...
Fiquei sombrio e adoecido e soturno
Como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça
E nem sequer de noite chega.
(O guardador de Rebanhos)

Alberto Caeiro, nascido em Lisboa, era o mais objetivo dos heterônimos. Buscava o objetivismo absoluto, eliminando todos os vestígios da subjetividade. É o poeta que busca "as sensações das coisas tais como são". Opõe-se radicalmente ao intelectualismo, à abstração, à especulação metafísica e ao misticismo. É o menos "culto" dos heterônimos, o que menos conhece a Gramática e a Literatura.



          Podemos observar pelo poema em discussão que há alguns desvios gramaticais: Sacode uma toalha de mesa (verso 5); Não sei porquê (verso 13); Eu sentia-me ainda mais simples (verso17)...
          Logo na primeira estrofe, o poeta nos surpreende, a ponto de eu ter feito o seguinte comentário: Nessa estrofe o eu-lírico se reporta à chuva com direito a trovoadas. entretanto com o verso reticenciado "E enegreceu os caminhos..." nos dá uma pista do que leremos a seguir.
          Entretanto, o eu-lírico não sai do tom. Mantém a mesma postura de observador simples do fenômeno. Seu repertório não possui grandes metáforas, como julguei pelas reticências e e pela palavra "caminhos". Ele nos remete à simplicidade da vida, como uma tia de alguém se põe a rezar para Santa Bárbara, santa venerada pela igreja católica e pela umbanda.
          Mas por que para essa santa? É o próprio eu-lírico que tem a resposta: 
"Ah! é que rezando a Santa Bárbara
Eu sentia-me ainda mais simples
Do que julgo que sou..."

         Ora, Como ele é uma pessoa simples que passou a vida "como o muro do quintal" que não faz esforço para pensar, sentia-se uma pessoa apta a crer em Santa Bárbara.
         Mas ´exatamente essa possibilidade, de crer e de pensar em Santa Bárbara, que o entristece. Porque pensar e existir para coisas simples lhe dá uma medida do quão pequeno ele é. Isso mostra ainda o dilema vivido pelo eu-lírico: viver simples ou se intelectualizar; continuar telúrico ou buscar o conhecimento dos livros?
          Se no poema anterior, Ao Entardecer, ele sente pena de Cesário Verde, devido ao fato de este poeta ser um prisioneiro da vida na cidade sendo camponês, ele mesmo, o eu lírico/Caeiro, sente pena de si, pelo excesso de simplicidade de sua alma por isso ele se torna, diante de todo aquele espectro natural que se desenrola ante seus olhos e de suas meras reflexões, em suas próprias palavras: 
"E eu, pensando em tudo isto,
Fiquei outra vez menos feliz...
Fiquei sombrio e adoecido e soturno"
 

 

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

POETA SOU? ORA, DIREIS!




Tenho tesão poético!
A poesia me estimula a viver
Faz relaxar, me excita
Mais, mais e mais
Sem necessidade
Com promiscuidade
Escrevo, escrevo
Mesmo de poema curto
Curto muito escrevê-lo
A tensão aumenta
Pego a pena, digo, a tecla
E vou me afogando
No meu próprio gozo
Na ejaculação de palavras
De versos, transbordantes
De orgasmos múltiplos
Soluçantes de amor, de dó
De tristeza, ou de alegria
Agonizantes,
Arrojados à tela
Sem pudor, sem vergonha
Mesmo sem vontade
Sem prazer ético
Sinto grande
Esse tesão poético!
(Alves Andrade, janeiro de 2017)

NA ESCURIDÃO MISERÁVEL

FERNANDO SABINO  “Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o m...