terça-feira, 5 de julho de 2011

A MORTE


"Ó Morte, tu que és tão forte,
Que matas o gato, o rato, o homem,
Vista-se com a tua melhor roupa
Quando vieres me buscar." (Raul Seixas)


        Quando criança, vivia sob o mistério maior, eu até tinha apego a Ele, pois me dava a incerteza do futuro, enchia-me de uma magia que jamais encontraria em nenhuma outra instituição abstrata. Era portador do maior de todos os enigmas, era tudo, era o nada, era o meio, objetivo maior da Vida, era a Morte.
        Até que morri. Foi muito rápido e eu não sei mais. Não foi uma morte glamorosa, como sempre sonhei. A Morte é cruel! Sempre a imaginei soberana, de corte fiel; soberana, de porte altaneiro; soberana, de olhar sobranceiro. 
      Não, Ela não era nada assim. Também não vestia acetinado, como queria Raul. Aliás, não vestia nada! Estava desnuda e me olhou com tamanho dó que me entristeceu. Sempre imaginei que Ela viria e me abraçaria, me beijaria nos lábios, e eu morreria. Ou pelo menos como aconteceu com Randy Pauch, que Ela viesse travestida num diagnóstico, para que eu pudesse me preparar, dizer adeus à família, aos amigos, às amantes... Não assim! Como! Mulher idiota, imbecil, sem cor, sem sombra, sem luz, sem cheiro, sem nada!
      Era mera contra face, obscura, enganchada na goela, de súbito. Enquanto todos conversavam e riam, Eu apenas me assustava. Seria ridículo se eu gesticulasse no meio de todos. Não, seria pobre, paupérrimo. Seria nojento. Seria humilhante. Quantos segundos? Não sei, não sei mais. Talvez vinte, dez. Senti de repenter o estorvo a me impedir a passagem do ar, angustiante. Tentava o movimento para dentro, nada. Para fora. Ela ria de mim. "Fique aqui e sucumba. Ou gesticule para que alguém entenda e venha socorrê-lo. Talvez ainda dê tempo." Disse Ela, sinistra, envolta naquele pequeno pedaço de carne. Corri para o banheiro, pus água na mão, tentei bebê-la, Empurrar a morte, goela abaixo, mas Ela estava decidida. Senti o ar faltando, os olhos esbugalhados. Não dava mais para gesticular. Tentei, em vão, me agarrar à pia, que veio, desabou comigo. Ouvi passos na sala a porta abrir-se e alguém dizer "meu Deus, o que foi isso!"
      O mundo escureceu. Não vi a luz mágica que leva os espíritos para lugares cheios de flores, caminhos iluminados; não via a porta celestial ou infernal abrindo-se para me receber. Só a negritude infinda, nefanda; o frio a me escaldar o ser, a cortar o que jazia de um homem, que talvez nunca tenha sido.
(Professor Alves)

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