Sou o princípio da virtude,
Pecado capital venho a ser
Mas sem letra do alfabeto
Também podem me escrever.
(Salvador Bonfim)
Os versos acima bem que poderiam ser uma autodefinição, um enigma por trás de uma grande profecia, um versículo bíblico ou coisa que o valha. Mas não é. Trata-se de uma simples charada criada por Salvado Bonfim, cujo passatempo principal é fazer poesia. Um cidadão independenciano que até pouco tempo não se via poeta, apesar de sabê-lo. Humilde, como a natureza o fez, e o sol causticante dos Inhamuns moldou, não via (ou via, “O poeta é um fingidor...”) muita graça no que fazia. Até que alguém pôs os olhos em seus escritos e, como os gigantes emergem das profundezas abissais das imaginações, o poeta surgiu do anomimato, imponente, sábio, porém humílimo.
Por trás do balcão simples, de seu estabelecimento simples, situado no mercado de Independência, entre vidros de mel de abelha, sementes de girassol, réstias de alho e outras mercadorias que jazem nas prateleiras, encontramos o senhor Salvador, oitenta e quatro anos, de voz mansa, audição já um pouco prejudicada pela idade e pela lida, com seus inseparáveis cadernos, os quais, quando impelido, retira-os quase imperceptível de sob o balcão de madeira. Lá estão, em letra caprichadíssima, os poemas que emergem de todos os recantos da memória, recente ou remota. São poemas simples, mas que revelam a grandeza do punho que os talham. São lembranças da infância, da adolescência idílica e bucólica, como o primeiro encontro com aquela que viria ser sua única e grande paixão, e que até hoje está ao seu lado, Dona Ernestina, a quem imortalizou no já famoso poema Laço de Chita, ou uma sátira bem cuidada e desmaldada, como Mulher Ciumenta.
Pois bem, esse cidadão octogenário descobriu uma forma simples porém perene de reinventar a existência, a poesia. Lembra-me o filme Diário de um adolescente, em que um jovem viciado não sucumbe às drogas devido ao seu envolvimento com a grande musa de Castro Alves, a poesia. Assim é Salvador Bonfim, que mesmo no momento mais triste (creio), a perda de um filho, soube buscar na poesia alento para si e (creio) para toda sua família enlutada. Se Graciliano Ramos publicou seu primeiro livro, Caetés, aos quarenta e um anos e Cora Coralina fez o mesmo aos setenta e seis anos, Salvador Bezerra Bonfim inaugura aos oitenta e quatro anos sua trajetória publico-literária, ao publicar Carisma de um Provinciano. E não se iludam. Essa trajetória está apenas começando, porque o que vai naqueles caderninhos secretos ainda não foi publicado.
(Por Professor Alves)
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