Trata-se de textos escritos a partir de experiências com pessoas, jovens e/ou adultas, para levar à reflexão sobre alguns aspectos da vida, como política, literatura, História, Felicidade. DEIXE UM COMENTÁRIO
domingo, 25 de maio de 2014
TUDO VALE A PENA QUANDO A ALMA NÃO É PEQUENA
Quem são esses
senhores e essas senhoras que se arregimentam em verdadeiras legiões pelas
ruas, descendo de ônibus lotados, ou guiando seus automóveis, invadindo espaços
diversos, seja segunda ou seja domingo? São professores e professoras,
dedicados cidadãos e cidadãs, que abandonam suas famílias para a construção
daquilo que chamamos vulgarmente de saber.
Ó, como é
lindo vê-los entrando em salas de aula, riscando no quadro branco, outrora
negro, palavras de sabedoria, de conhecimento ou simplesmente aquilo que se
encontra nos currículos. Belos são seus lábios pronunciando verdadeiras
filosofias de vida, entre uma reprimenda ou apenas numa acolhida individual.
São pais e são mães que, colocando-se no lugar do outro, sabem, com doçura na
voz, conduzir destinos, sem muitas vezes conhecer a própria sina.
Ó, como é
maravilhosos ver esses senhores e essas senhoras felizes quando encontram “seus
filhos” encaminhados. Olham para os seus próprios rebentos e se sentem
radiantes quando veem que valeu a pena tê-los abandonado momentaneamente para a
construção do caminho daqueles que lhe foram confiados.
Mas não se
iludam, senhores e senhoras! Esses cidadãos e essas cidadãs, corajosos e
destemidos, não ficam tristes, infelizes, quando no final do mês veem seus
minguados salários. Eles e elas sabem que terão que apertar sempre mais e mais
o orçamento para poderem sorrir para seus alunos, para seus colegas e para si
mesmos. Longe de serem infelizes, esses Senhores e essas senhoras destemidos
são conscientes de sua missão, e é por isso que invadem também as ruas, as
praças nos fins de semanas sem descansarem. Estão sempre em busca de algo mais
que possa melhorar-lhe o ganho mensal, pois também precisam de ter motivos outros
para sorrir, porque sabem que “tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”.
(Professor Alves,
maio de 2014)
segunda-feira, 19 de maio de 2014
TEXTOS E CONTEXTOS (Blog do Professor Alves): DE SONHOS E DE CAIXAS
TEXTOS E CONTEXTOS (Blog do Professor Alves): DE SONHOS E DE CAIXAS: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiPf9TiQlAbhkXyW4AZj4J7rUfGZ4MUpg_z6M2gXAOloSaVMbnSapyBGVg-UGdRhom0Fz_9HkPslHd7XRjJBALFWxywYDbemlthRYqYW0Hrq1jjzWaiZPk7YZaBgc2cso_j19-J0Pvosx4/s1600/Fatos+surpreendentes+sobre+snhos.jpg Em cima do gua...
DE SONHOS E DE CAIXAS
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiPf9TiQlAbhkXyW4AZj4J7rUfGZ4MUpg_z6M2gXAOloSaVMbnSapyBGVg-UGdRhom0Fz_9HkPslHd7XRjJBALFWxywYDbemlthRYqYW0Hrq1jjzWaiZPk7YZaBgc2cso_j19-J0Pvosx4/s1600/Fatos+surpreendentes+sobre+snhos.jpg
Em cima do
guarda-roupa há uma caixa
Nessa caixa
um monte de cadernos
Nesses
cadernos estão meus sonhos
Nesses
sonhos meus desejos
Nesses
desejos, a vida
Nessa vida
meus desejos
Desejos que
refletem meus sonhos
Sonhos que
os pus em cadernos
Esses
cadernos, pu-los dentro de uma caixa
Que pus em cima do guarda-roupa
E hoje miro,
os meus sonhos que não voaram
Que
permanecem comigo,
Juntinhos de
mim, num trânsito infinito
Entre a
caixa em cima do guarda-roupa
E mim, e
minha mente, e minhas ações
Alguns já envelheceram,
se aposentaram
Outros
nascem todos os dias
Brincam com
os avós,
Os avós lhes
dão conselhos:
“Não
envelheçam, busquem voar,
Ir para
longe, se realizar,
Pois só os
sonhos que não correm
Que não
voam, envelhecem, se aposentam...”
Mas os sonhos
netos,
São crianças,
são teimosos
Amam os
sonhos avós
Não os
querem abandonar
Assim a
família cresce
Família de
sonhos
Gerações que
se sucedem
Que são
felizes, por não fugirem
Ficam perto
de mim,
Juntos de
mim
Vou então
transportando-os para cadernos
Para livros
que escrevo
Que não
publico
E assim vão
para a caixa
A caixa em
cima do guarda-roupa!
(Francisco
Alves, maio de 2014)
sexta-feira, 16 de maio de 2014
DAS COISAS E DAS MUDANÇAS
Libetas quae sera tamem!
Das coisas e das
mudanças, há três tipos. Aquelas que não podem mudar; as que podem, mas não
devem mudar; as que devem mudar e não mudam.
No primeiro
caso, está o guarda-chuva. Imaginem um guarda-chuva com a concavidade para
cima! Ia ser um destroço total. A água se acumularia, o peso aumentaria a tal
ponto que o indivíduo não iria suportar. E se suportasse a água iria
transbordar. Desastre total. Definitivamente o guarda-chuva não pode mudar.
No segundo caso
temos os nomes de ruas, de cidades, de países. Não devem mudar porque se fixam
na cultura e na memória das pessoas. Quando mudam causam transtorno. Um exemplo
mais significativo aqui em Fortaleza foi a mudança do nome da Avenida Estados
Unidos para Senador Virgílio Távora. Imagine o transtorno que foi para a
população que conhecia a avenida com o primeiro nome! Com o tempo se acostuma. Mas
não deveria ter mudado. Nome de países, então! Confundem a cabeça dos
estudantes, pois dá a impressão de que há mais Estados do que existe na
realidade. Lembremos a cidade de São Petersburgo, na Rússia, que passou
para Petrogrado, depois mudou para
Leningrado e voltou a ser São Petersburgo. Que confusão. E quando as ruas
homenageiam personalidades e depois mudam para homenagear outra. Aí a confusão
é maior, pois dá a ideia de que o homenageado perdeu a personalidade.
Por último
temos as que devem mudar e não mudam. A embalagem do Redoxon, aquele
efervescente da Bayer recomendado para gripe ou para seu combate. Aquela
embalagenzinha cilíndrica, com a mesma espessura do comprimido, que fica,
coitado, comprimido, rezando para ser liberto. Coitado também do usuário, que
precisamos ficar batendo o cilindro na mão até aparecer o papel prateado, onde
está escondido o remédio, e o pior é que às vezes caem todos no chão. Isso deve
mudar, mas não muda.
Outra coisa que
deveria mudar, mas não muda é a sala de aula, a aula e a própria educação.
Ninguém aguenta tanto tempo essa mesmice. Professor, alunos enfileirados,
quadro, cuspe e pincel. Alguém pode dizer: “ah, mas antes era giz!”. Sim mais o
cuspe é o mesmo, e o pincel faz o mesmo papel do giz, com exceção do pó. É
preciso, urge que a Educação se modifique. Não apenas com parelhos eletrônicos
ou informáticos, mas em toda sua essência. Professores devem se transformar
realmente em orientadores, mas profundos conhecedores daquilo que orientam;
estudantes, em pesquisadores, ouvintes de palestras, buscadores de
conhecimentos. Os conhecimentos por sua vez devem mudar e serem utilidades em
vez de meros enxertos de livro e cadernos. Estes últimos precisam se
transformar em chips, pois não é mais admissível em pleno século XXI, perdão
21, cortarem-se árvores, florestas inteiras para transformá-las em material
didático. Por fim as salas de aula também precisam mudar e serem transformadas em
verdadeiras salas de estudo.
Infelizmente
essas mudanças que devem ocorrer não serão feitas enquanto o homem, principal
agente da mudança, não se transformar. Enquanto continuarem visando ao lucro, a
interesses particulares e políticos, não haverá coragem para se dizer “basta de
enganação, a quem estamos ensinando e o que estamos fingindo que ensinamos,
sabemos por acaso que isso não funciona, vamos parar com essa farsa chamada
Escola!”. É preciso essa coragem para que realmente haja transformação social, desalienação,
libertação. É preciso coragem para se fazer do ato de aprender aquilo que Paulo
Freire veio nos ensinar: AUTONOMIA!
(Francisco
Alves, maio de 2014)
quarta-feira, 14 de maio de 2014
NUNCA É CEDO, NUNCA É TARDE
Tem tempo
que o tempo dá
Tem tempo
que o tempo tira
Tem tempo
Que o tempo encolhe
Tem tempo
Que o tempo estira
Tem tempo
Que o tempo dá tempo
Que o próprio tempo
Se admira
(Salvador Bonfim,
in Carisma de um Provinciano)
Aos dezesseis
anos, Álvares de Azevedo iniciou uma profícua obra literária que lhe renderia o
posto de principal poeta ultrarromântico. Mas sua produção não se reduziu
apenas a poesia. O bardo era bom em tudo o que fazia, desde traduções de Lord
Byron a criar peças à Shakespeare. Sua
obra mais importante, Noite na Taverna, demonstra toda a evolução de uma mente
jovem e brilhante. Faleceu aos vinte anos incompletos, mas nos deixou vasta
obra e como maior legado a ideia de que nunca e cedo para se fazer aquilo a que
nos propusemos.
Aos vinte e
sete anos idade, muita gente olha para trás e, se ainda não fez nada de
extraordinário, pensa que tudo está acabado. Entretanto, aos vinte e sete anos,
Van Gogh, sem nunca ter dado uma pincelada, entrou para um curso de desenho,
para se tornar o maior pintor impressionista holandês. Apesar de uma vida
frustrada, sem realizações pessoais, Van Gogh é um bom exemplo de que a
qualquer momento podemos reescrever nossa realidade.
Em 1934, com
quarenta anos de idade, portanto além da curva citada por Dante, Graciliano
Ramos, alterando o rumo de sua comédia, escreveu seu primeiro romance, São Bernardo,
para não mais largar a pena e construir uma das mais ricas obras da literatura
brasileira e da mundial. Seu legado maior: nunca é tarde para se iniciar aquilo
para que fomos enviados ao mundo.
Com setenta e
cinco anos, Salvador Bonfim, agricultor na cidade de Independência no Ceará, matriculou-se no Mobral a fim de
aprender escrever, pois tinha um sonho: publicar um livro. Aos 84 anos, nos
convidou para o lançamento de seu terceiro livro de poesia, Carisma de um
Provinciano, de onde retiramos a epígrafe desta crônica.
Álvares de
Azevedo escreveu toda sua obra em apenas quatro anos, começando-a, pois, precocemente!
Van Gogh, com suas incertezas, suas angústias, buscou no desenho, na pintura
sua realização pessoal, aos vinte e sete anos, tornando-se ícone de toda uma
geração e referência para as demais! Graciliano Ramos despertou para o cenário
literário apenas aos quarenta anos, produzindo uma obra que inspirou grandes
nomes, como José Saramago! Salvador Bonfim, aos setenta e cinco, iniciou seu
aprendizado escolar para escrever livros também de poesia e o fez com grande
maestria. O que então dizer de Oscar Niemeyer que, aos cem anos, depois de ter
realizado tudo que uma pessoa pode pensar em fazer, resolveu se matricular na
academia para aprender física e filosofia! Queria ele apenas deixar mais um
presente para nós. Queria nos dizer nunca é tarde para aprender, para produzir,
para viver.
(Francisco
Alves, maio de 2014)
quarta-feira, 7 de maio de 2014
VIOLÊNCIA, CALMA!
Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal perde
o sabor, com que lhe será restituído o
sabor?
Para nada mais serve senão para
ser lançado fora e calcado pelos homens.
(Mateus, 5: 13 – 16)
Nesse último final
de semana, alguns fatos ocorreram que me deixaram pelo menos horrorizado e
reflexivo sobre o caminho pelo qual a (des)humanidade está se orientando. E não
são poucos esses casos, nem são bonitas as suas práticas.
Em Fortaleza,
mais precisamente no bairro Cajazeiras, onde moro, um irmão matou o outro a
chutes e pontapés, perdoem-me a redundância, é que sempre vi diferença nessas
expressões. Desculpem-me ainda por ofuscar os olhos de algum leitor fortuito,
eu também sei contar histórias alegres, animadas e, às vezes, até cômicas. Mas
o que me trouxe a essas teclas foi a angústia da violência, que cresce e nos
embrutece, violência, a qual não podemos dizer gratuita, porque custa muito
caro e o ônus não é material. O preço é social, abstrato, moral. O motivo desse
fratricídio não interessa muito. Parece
que foi uma acusação real ou inventada. Mas me medra essa justiça feita pelas
próprias mãos, em crescimento Brasil a fora.
Nesse
mesmo final de semana, em São Paulo, uma mulher, acusada de sequestro de
crianças para ritual de magia negra, foi brutalmente linchada por populares e
seu corpo arrastado pelas ruas. A tragédia foi ainda filmada e divulgada na
internet. Tampouco me interessa dizer que tudo não passou de um terrível
equívoco. O que me choca é o modo como a população volta à barbárie e comete
atrocidades que envergonharia uma matilha de cães famintos.
Na
pacata cidade de Cocal, no Piauí, onde eu me encontrava para a realização de um
concurso público, um “amigo”, com um gogó de garrafa, abriu o companheiro de
bebedeira do umbigo ao ligamento das costelas. Esse óbito também me deixou triste,
e a cidade, cuja população tem riso fácil e ações prestativas, estarrecida.
Mais um em que não foi utilizada a famigerada arma de fogo, mais um que prova a
involução do ser humano, próximo aos seus instintos mais primitivos.
Mas
o final de semana não estava completo, infelizmente! Em Pernambuco, um
torcedor, com o perdão da palavra, arremessou sobre outro, de outro time que
não o seu, um aparelho sanitário. Sim, se você viu a cena, ouviu a notícia e
ainda está incrédulo, repito uma pri-va-da. Se ele tivesse atingido o “adversário”
com o conteúdo do vaso, certamente não teria feito tanta merda. Esse assassinato de repercussão mundial não só
me entristeceu, como também me desnorteou. Mas uma vez um brutal assassinato
não foi cometido por armas, mas por um instrumento cuja finalidade é outra bem
diversa.
Lembrei,
assim, de uma cena grotesca que presenciei há muitos anos. Era domingo e eu me
dirigia à casa de um amigo, quando tudo aconteceu. Um homem, possivelmente um
pastor evangélico, com uma bíblia debaixo do braço, encontrou-se com um rapaz,
e os dois discutiram. De súbito, o pastor bateu forte na cara do rapaz com a
bíblia! Pasmem, com a bíblia. O ataque foi tão violento que o rapaz caiu. Nisso
o pastor cristão pisou sobre o ventre do indivíduo e bateu-lhe com o livro sagrado,
pelo menos cinco vezes, até que outros crentes que vinham atrás correram e
evitaram o pior. E o pior seria um homem morto a golpes de bíblia.
Quando
da campanha do desarmamento, eu me pus contra porque imaginava, como ainda
imagino, que não adianta retirar as armas do cidadão, das pessoas. O que mata
não é a arma, mas o instinto assassino, que parece entranhado entre os
neurônios daqueles que se dizem racionais. As pessoas quando alimentam seus
instintos destruidores, utilizam, como vimos nos exemplos acima, qualquer coisa
que possa eliminar o outro. E esse outro não precisar ser inimigo, bastar não
estar sintonizado com aquele num dado momento. É preciso desarmar o homem
desses desejos violentos, da sua incredulidade no bem, uma vez que só aquele
que não acredita no bem é capaz de se deixar levar pelo mal, de agir pelo mal.
Faz-se necessário, pois, armá-lo com o verdadeiro cristianismo, com a paz, com o
perdão do Sermão da Montanha. Bem aventurados, portanto, aqueles que buscam ter
Jesus no coração. Assim seja! (maio de 2014)
quinta-feira, 1 de maio de 2014
ÓPIO - AGOSTINHO NETO
Opio
Casaram-me COM Uma tristeza!
A minha terra negra de sol-a Minha Mãe-Opaco entoa melodias magoadas los Noites de festa quando um ea lua ri Enigmatica Floresta farfalha ritmos de jazz,-a Minha Mãe-DEU-me tristeza los Casamento quando nasci.
Localidade: Não tiva infância
NEM Mocidade
Localidade: Não tiva uma alegria
da Primeira idade
POR Causa dEste Noivado prematuro e senil.
MEUS Pesados Dias São Ilusões
MEUS prazeres amarguras
a Felicidade ea Vida
Sonhos.
Eu proprio sou uma Ilusão
Sou uma irrealidade
sou Sonho.
O o Porque a Realidade E UMA tristeza
e UMA Localidade: Não Quero ASSIM
Para a esquecer
e olvidar Meus Amores
Os Meus ideias
Opio fumo.
Para a esquecer
e olvidar Meus Amores
Os Meus ideias
Opio fumo.
-Eu sensualizo a Vida:
o belo Brilho da Luz
Trabalho quando o sol
queimando OS ombros nus
gozo o sadismo do Fogo
quando Danço à fogueira
ea Lenha contorce
sofrendo
Como o Meu Sofrimento
amarfanha UMA alma.
Gozo
gozo ingenuamente
a fingir Que Localidade: Não sofro;
Como quem de choro de ri!
Fumo O Meu Opio
Para sonhar
COIMBRA 1947
domingo, 6 de abril de 2014
quinta-feira, 27 de março de 2014
sexta-feira, 21 de março de 2014
O QUE HÁ NUM BEIJO?
A letra da música, tema da novela
Baila Comigo, indagava “What’s in a
kiss?”. Em tradução, deve-se ler “o que há num beijo?” ou “O que tem de mais
num beijo?”. Realmente, aparentemente
não há nada de mais em uma bicota ou selinho, como queria a dinossáurica Hebe
Camargo. Entretanto não é bem o que vemos nove meses após o fim do carnaval,
regado a muita bebida e a muito “axé music”, com Ivete e Bel exagerando nas
receitas de curtição:
“Quando você passa eu sinto seu cheiro
Aguça meu faro e disparo em sua caça, iaiá
Aguça meu faro e disparo em sua caça, iaiá
(...)
Me
abraça e me beija
Me chama de meu amor
Me abraça e deseja
Vem mostrar pra mim o seu calor”
Me chama de meu amor
Me abraça e deseja
Vem mostrar pra mim o seu calor”
Não vim aqui falar de beijos, tampouco de
ivetes e bels. Mas é que observando algumas atitudes, aparentemente inofensivas,
me lembrei da música de O’Sullivan e me arremeti aos temas carnavalescos e, por
que não dizer, animalescos. Recentemente estava numa fila de um desses postos
da Caixa espalhados pelo país, nas casas lotéricas, quando vi uma senhora se
aproximar de outra que estava bem encaminhada e solicitar-lhe que lhe pagasse as contas. A outra sem nenhuma
cerimônia aceitou a missão. E as pessoas que estavam na fila também não se
importaram. Uma moça na minha frente fez, silenciosa, um comentário de
desagravo. Ao que eu retruquei que ela, a senhora-fura-fila, não tinha nenhuma
noção do que estava fazendo. Ela simplesmente acha normal. Não vê ali nenhuma
transgressão à ética social.
E continuei com minhas reflexões, enquanto presenciava mais uma ocorrência do gênero. Desta feita uma
senhora antes de adentrar o supermercado, colado a essa agência, deixou a mãe, possivelmente octogenária,
caquética, na fila preferencial. Quando voltou, assumiu o lugar da velhinha,
deixando-a confortavelmente sentada num banco de madeira, do lado de fora.
Quando estava na boca do caixa, chamou a mãe para não ser contrária aos bons
procedimentos. Ouvi alguns outros comentários contra aquela filha desalmada,
mas só quando a mesma se retirou. Desta vez fiquei calado.
Mas a surpresa maior estava por vir. Depois de quarenta minutos de fila,
sem nenhum estresse, pois acho a fila a única instituição realmente
democrática, pois, mais do que a morte, ela nos nivela, sem nenhuma
discriminação, não obstante essa democracia ser constantemente vilipendiada,
como a outra, a falsa. Pois bem, após quarenta minutos, estou eu na boca do
caixa. E foi aí que me veio a maior decepção que um educador pode ter. Uma
colega de profissão, supostamente minha amiga, aparece-me como um fantasma, com
as mãos cheias de contas, após um longo suspiro me, entrega a carga, ou melhor,
tenta me entregar dizendo “que bom encontrar você aqui”. Dei uma rápida olhada
para trás, vi que a fila estava bem maior do que quando cheguei, olhei-a meio
atordoado, mas tive coragem e lhe disse “vamos respeitar as pessoas que estão
na fila”. A mesma ficou lívida, sua face quase se afoga num esgar de surpresa.
Virou o rosto e sem se despedir, foi para o final da fila, sem me deixar
externar a única saída para a situação que era oferecer-lhe o meu lugar.
Próximo ao condomínio onde moro há uma padaria a qual frequento
esporadicamente. Sempre que lá me encontro, sempre pela manhã, vejo policiais
do (quase extinto) Ronda do quarteirão merendando uma merenda nada frugal. Após
o lanchinho eles saem sem pagar. Qualquer um infeliz que por ventura esteja
lendo esta crônica, com certeza, já deve ter presenciado cenas desse tipo em
padarias, lanchonetes, churrascarias, restaurantes. Os donos dos
estabelecimentos não reclamam, pois recebem uma “proteçãozinha” extra. Certa
vez em um supermercado, vi um cidadão, com o perdão da palavra, tomando
calmamente uma cerveja no interior do estabelecimento. Nada de mais, pois
muitos o fazem, e os gerentes também não se importam. É uma forma de manter o
cliente no interior da loja por mais tempo. O caso é que o homem se dirigiu ao balcão de
frios, pediu uma fatia de presunto para provar. Após saboreá-lo, deixou
discretamente o vasilhame de cerveja, vazio, sobre embalagens de salsichas e
saiu tranquilamente. Ele deve ter pensado consigo: “como eu sou esperto, bebi e
ainda tirei o gosto”, e deve ter ajuntado a esse pensamento o seguinte: “os
supermercados são ricos, tiram de nós, mas eu tiro deles”. Santa ignorância,
Batman!
Sei que todos sabem, mas eu vou lembrar: todas essas atitudes são atos de
corrupção, tão graves quanto desviar 40 milhões de dólares da Previdência
Social, como pagar aos deputados para que esses beneficiem o governo. Então
não adianta sairmos por aí falando mal dos políticos, das autoridades corruptas,
que nos envergonham com mensalões e mensalinhos, se praticamos os mesmos atos
que corrompem a ética de convivência. Que país estamos querendo construir, que
cidadãos queremos formar em nossos alunos e em nossos filhos? Acho que essa
deveria ser a pergunta que devemos fazer antes de furar uma fila, comer um
bombom escondido em um supermercado ou desviarmos a verba da merenda escolar.
(Professor Alves, março de 2014)
quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
ATÉ BREVE!
Quando o moço do socorro, depois de examinar lhe o homem, virou-se e,
atabalhoadamente, perguntou se ela tinha plano funerário, a vista escureceu de
tal forma que ela teve de se segurar para não desabar. O moço então lhe repetiu
a pergunta. Ela interrogou-me com os olhos “como assim, plano funerário, pra
que eu quero um plano funerário?” Respondi ao moço o que ele queria ouvir. Em
seguida pus a mão em seu ombro e percebi lhe certa vertigem. Para minha
surpresa, depois que o socorro se retirou, ela se dirigiu à cozinha, pegou um pano
molhado e pôs-se a esfregar o chão. Não pude ler seus pensamentos, mas entrevi
uma preocupação: “ele vai despertar e não vai gostar de ver o chão sujo”. Em
seguida estrondou-se em uma gargalhada como lhe era habitual. Deve ter pensado
“mas ele nunca exigiu nada, era eu quem mandava nele” e entoou baixinho “sim
senhora”. Era esse o bordão que ele sempre usava. Ao que se virou para mim e
disse: “ah! meu amigo, não posso acreditar”.
Estávamos só nós dois. Ela me acordara cedo, aos gritos de “meu homem
está morrendo”, Saí estonteado, correndo. Ainda o vi com a última respiração em
progresso. A última! Liguei para o socorro que constatou o óbvio, o qual os seres humanos séculos após séculos ainda
teimam em não aceitar. Sentei-me entristecido, olhando aquela mulher encanecida,
sem filhos, sem ninguém. Agora ela estava sem ninguém. O companheiro de sempre,
de todos os dias, de todas as horas, de todos os minutos, de todas as brigas
havia desencarnado. Jazia agora o corpo, o qual ela espera de súbito
levantar-se e dizer “sim senhora”, mesmo de brincadeira. Eu me postara sem
pensar. Olhando o vazio. No fundo eu também esperava vê-lo se levantar e dizer “sim senhor” e rir-se
diante da pilhéria, como era seu costume.
Quando o gato entrou, percebeu, pelo seu instinto, algo errado. Percebi
que farejava o ar. Levantou as orelhas, como a escutar o inaudito. Em seguida,
embarafustou-se para a cozinha, em busca de algo para comer. Ela riu e foi
cuidar do gato. Estava demorando a presença de mais pessoas. Só a minha e a
dela não bastavam. Eu tinha dado dois ou três telefonemas. Quando o gato já ia
saindo, olhando de través e lambendo os
beiços, é que começaram a chegar as primeiras caras. Familiares, amigos,
curiosos, que não acreditam na morte e precisam vê-la para nela crerem. Alguém
trouxe café, outros chegavam com bolachas, pães, torradas. Enquanto se
conversava na sala, assuntos de mortes, histórias semelhantes, outras nem
tanto, observei que ela adentrara o quarto e trancara a porta. Pela fresta da
imaginação, pude vê-la num último adeus ao companheiro de todas as noites. A
mão tocando-lhe o corpo inerte, acariciando lhe a barba tantas vezes afagada, outras tantas beijada. Pude
sentir sua pressão subir, abraçando o corpo de todos os tempos, de todas as
glórias, a boca entreaberta para o último beijo. O homem ainda estava ali. Era
preciso possuí-lo rapidamente antes eu alguém pudesse interromper...
No velório estávamos na mesma posição. Era como se nada tivesse mudado,
como se não tivesse tomado banho, trocado de roupa. Os olhos fitos no vazio,
buscando uma explicação para o que já não precisa ser explicado. Aliás para o
que nunca necessitou de explicação. Ela, de negro, acariciava o homem, antes
que nada mais houvesse, antes que nada mais sentisse, antes que a vida perdesse
o sentido. Até a hora estrema em que os estremos se unem finalmente. O que é pó finalmente volte ao pó, e o que é
espírito se encaminhe para os iguais.
Não houve choros, não houve cenas. Apenas o corpo descendo à terra,
cercado de madeira, envolto na escura mortalha, como se não bastasse a
escuridão do túmulo. Em determinado momento, não sei por quê, meus olhos
buscaram os dela. E li neles uma promessa. Não uma promessa de vida, não uma
promessa de carne. Mas uma promessa de almas. “Até breve, meu homem. Não
saberei viver o resto de minha velhice sem os nossos dias, sem as nossas
brigas, sem as nossas risadas, sem os nossos porquês. Até breve, meu amigo, a
única coisa que me enlaçava à dor vivente, não está mais comigo. Não te afastes
de mim, não vá muito longe. Em breve,
estaremos juntos novamente... e aí você vai me explicar a história daquele
telefonema misterioso”.
(Professor Alves, janeiro de 2014)
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