sexta-feira, 4 de março de 2011

UM HOMEM FELIZ


 HOJE vi um homem feliz. Era tanta a felicidade que irradiavam seus olhos que era impossível não percebermos.
QUANDO cheguei para cortar o cabelo, estranhei o fato de o homem feliz vir em minha direção com um sorriso e uma palavra:
̶ Desculpe-me, amigo, mas é que cheguei agora e ainda estou abrindo o salão.
SIM aquele homem feliz era um simples cortador de cabelo, era um trabalhador, pois alguém pode pensar que só pessoas que não têm o que fazer ou têm muito dinheiro são felizes. Estranhei porque cortamos o cabelo com ele, eu e meu filho, já faz muito tempo e nunca o vimos sorrir, nunca sequer nos dirigiu a palavra, a não ser para perguntar “como o senhor quer” ou dizer o preço. Fora isso jamais ouvi sua voz. Mas ele estava feliz, e sua felicidade era transbordante, intrigante, porém não contagiante.
PERCEBI pelo seu tom de voz quando disse “cheguei agora” que ele precisava falar algo mais, era vital para aquele homem feliz que me dissesse o motivo daquele sorriso doado sem ônus algum, daquelas palavras carregadas de sentimento, mas que não conseguiam repartir, difundir, irradiar a felicidade aos outros. E isso me incomodava. Como sou bom ouvinte e principalmente curioso, resolvi satisfazê-lo:
̶ E aí, deu tudo certo? – Perguntei como se pergunta a um amigo por cuja felicidade estamos interessados.
̶ DEU! – respondeu com um tom de voz acentuado e um breve sorriso, daqueles bem interior, vitorioso, porém mesquinho – Demorou só um pouco para o contador agilizar minha comprovação de renda. Vou buscar amanhã... é todo completo, tem até computador de bordo... só tô preocupado é se faço ou não seguro, porque vou pagar uma prestação de quase mil reais... mas valeu a pena...
DEPOIS que tomou, a palavra aquele homem feliz não parou mais e me revelou o motivo de tanta alegria: seu carro novo. Ele tinha exercido a atitude que mais dá felicidade no mundo moderno: COMPRAR. É incrível como só a ideia de se dirigir a um “shopping” e a possibilidade de comprar algo já deixa as pessoas felizes. É o famigerado CONSUMISMO que nos embota a mente tornando-nos escravos de propagandas, pseudo-ofertas e produtos que não têm nada de novo. Esse homem feliz tinha um outro carro que havia comprado há apenas dois anos, um carro novo, mas que para ele já estava velho, obsoleto. Por isso precisava de um novo. Daqui a alguns dias ele vai notar que seu carro novo tem as mesmas funções do velho e que a única coisa diferente é que o outro já estava pago e que sua dívida aumentou um pouco. Como acontece quando compramos um celular certo de que estamos adquirindo algo ultramoderno, mas que na verdade não tem nada de excepcional, até o jogo da cobrinha é o mesmo. Não é o que desejo, mas  pode ser que, ao descobrir isso, o homem feliz fique triste e sua felicidade efêmera dê lugar a uma tristeza infinita. Pode ser - e isso eu desejo para todos -  que ele reflita sobre o que realmente possa lhe dar alegria, felicidade plena.
QUANDO analisamos o problema da violência nas grande e pequenas cidades, pensamos sempre na maldade humana, pensamos sempre na falta de índole daquele que tira a vida de um pai de família. Entretanto nos esquecemos de culpar o sistema capitalista em que estamos inseridos (talvez porque estamos inseridos), cujo lema principal é: “Eu consumo, logo existo”. No filme A Procura da Felicidade, estrelado por Will Smith, Cris é um cara que busca desenfreadamente a Felicidade, até que ele percebe que de um prédio, onde funciona uma corretora de seguros, todos saem sorridentes, felizes. Ele descobre que lá mora o motivo de tanta alegria e resolve trabalhar ali. Muito interessante o filme porque mostra que para o mundo moderno consumir e não amar; consumir e não respeitar; consumir e não ter dignidade; consumir e não ter pudor; consumir e se deixar consumir é o verdadeiro elo que liga o ser humano moderno a essa tal Felicidade. A literatura infantil já aponta: “no final do arco íris, há um pote de ouro”. É essa busca desenfreada pelo pote de ouro, transformada em carteira de dinheiro do pai de família, que pode aos olhos do bandido se transformar em arma, justificando a execução sumária daquele pai, que leva muitas crianças e adultos, que já foram crianças e não foram educadas, a praticarem latrocínios dia após dia.
(Professor Alves, 04 de fevereiro de 2011)

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