segunda-feira, 28 de maio de 2012

O MELHOR DO SONHO



O melhor do sonho não foi quando menino Jesus tocou-me o braço
Me olhou nos olhos e me segredou sobre o paraíso
O melhor do sonho não foi quando avistei as naus que vinham em visita
Trazer novas do velho mundo e construir um mundo novo
O melhor do sonho não foi quando retornado ao imponente mundo grego
Vi Milo carregando às costas, em exercício, um touro fabuloso
O melhor do sonho não foi quando chorei de alegria
Ao ouvir Jessier Quirino e seu Bolero de Isabel
O melhor do sonho não foi quando tremi ao ouvir cascos potentes
Dos cavalos de Átila e dos hunos com suas narinas famélicas de aventuras
O melhor do sonho não foi ver as pernas tortas de Garrincha
E acordar assistindo a um gol de Neymar
O melhor do sonho não foi me ver já velho, moribundo
Excitado pela possibilidade do mistério
O melhor do sonho não foi entrar na tela de cinema
Assistir ao vivo o cheiro de sangue dos Jogos Mortais
O melhor do sonho não foi ver Madre Tereza sorrindo
limpando-me, as feridas e amenizando a fome
Tudo isso foi maravilhoso, fantástico
Mas o melhor do sonho foi quando me vi adolescente
Assistindo ao maior espetáculo da terra: teu sorriso.
(Professor Alves)

domingo, 27 de maio de 2012

QUANDO MEU PAI MORREU



Quando cheguei à casa de meu pai e o vi morto, eu sorri
Porque sei que era exatamente o que ele faria se se visse morto
Ele estava lindo, morto
Como sempre fora
O rosto rígido
A boca entreaberta, como se quisesse desafiar num grande sorriso
As pessoas sofriam, choravam
Ele se ria de tamanha ingenuidade
E se pudesse, diria com voz firme como sempre falara:
“Assim é a vida
Assim é a morte
Não estamos aqui para semente
Caminhamos eu e a vida inteira de braços e mãos dadas
Agora é momento de visitar a morte, o mistério
Passei a vida toda nos desenganos da vida
Quero ver os desacertos da morte
Se a vida me fez feliz ou triste
Se tive amores e traições se traí e amei em vida
Na morte quero, se me for possível, amar, ser alegre e triste
Não fui homem de fugir das agruras que a vida impunha
Serei espírito de temer o que me espera?
Não, e parem de chorar! cantem-me os parabéns
Não é com choro que se enterra um homem
É com aplausos que se vê a ascensão de um espírito!”
Quando o guardaram naquela urna escura
Pensei que fosse desabar
Parecia-me que as lágrimas guardadas fossem desaguar
Mas senti de súbito um alívio
Meu pai não estaria mais ali, nem aqui, nem acolá
Seu Luís iria finalmente descansar
Depois de 86 anos de lida
Desde pequenino
Imagino o filme  de que ele foi personagem
Nossa quanta traquinagem
Nossa quanta brincadeira
Nossa quanta tristeza
Nossa quanta alegria
Quanta noite quantos dias
Finalmente descansou 
Meu pai
Meu espelho
Meu orgulho
E espero que quando chegar a minha vez
Meu filho não chore
Apenas tenha carinho pelo que fiz e pelo que me espera 

(Professor Alves)

POEMA DO MENINO JESUS


Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
"Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.


Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.


Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.


Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?

                          Alberto Caeiro

sábado, 26 de maio de 2012

TU




Sou apenas eu
Mero ser sem fantasia
Sem buraco negro
Sem teogonia.

Mas de repente Tu me arrebatas
eu, do mundo dos vivos,
Transcendo ao dos imortais
Sou feliz, amante, Teu, todo Teu.

Mas Tu me me dizes não
E me devolves insano
Sou novamente pobre, reles mortal
Sem Ti não sou nada além de mim mesmo.

Sofro, respiro, rezo
A oração me guia
Me leva a um só caminho
A solidão me pega, me domina.

De súbito estou sóbrio, até rio
Mesmo sendo apenas eu
Mortal sem signo, sem salvação
mesmo sem Ti.

Mas de repente Tu me arrebatas
(Professor Alves, 18/11/11)

sexta-feira, 11 de maio de 2012

PARA TODAS AS MÃES DO MUNDO E DO CÉU

Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

(Por Carlos Drumond de Andrade)

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A HUMANIDADE E SUAS DIFERENÇAS



Grandes homens falam palavras de muita sapiência. Isso todo mundo sabe. Os livros e páginas da internet estão repletos deles e delas. E mesmo a nossa memória não deixa que alguns ditos fantásticos se percam com o tempo. Lembro-me de muitas dessas pérolas. A que mais me é recorrente é uma de machado de Assis, presente no romance Quincas Borba. Escrevo-a à guisa de exemplo: “Para que servem os calos, senão para aumentar a felicidade dos pedestres!”
Mas mesmos grandes homens e mulheres dizem um tanto de besteiras, de vez em quando, sem querer ou mesmo querendo, impulsionados por momentos de paixão, em que a razão pede para descansar, deixa o cérebro hibernando, enquanto o coração toma as rédeas dos atos e da boca e da pena. Só isso justificaria os versos de Vinícius de Morais:
“Se todos fossem no mundo iguais a você
Que maravilha viver!” (a exclamação é nossa)
Imaginem todos no mundo iguais à musa do Poetinha (que de inho não tinha nada)! Por mais linda, por mais faceira, por mais gentil que ela fosse seriam desnecessários todos esses adjetivos.
O que faz o mundo saboroso de viver, instigante, atraente; o que torna a vida, mesmo amarga, cheia de percalços, mesmo com suas desigualdades, preferida à morte são as diferenças de todos os naipes. Há pessoas que sonham com um mundo de igualdades. Mas é como se vivêssemos em preto e branco, viver seria sensabor, inodoro. É o arco íris humano que torna de fato o estar aqui, respirando sobre a terra, maravilhoso. Deixemos que as pessoas sejam loiras e negras, morenas e pardas, altas e baixas, magras e gordas, belas e nem tanto. Vá que a humanidade seja abastada e paupérrima, triste e feliz, crente e ateia. É o desafio de minorar o sofrimento, a tristeza, a pobreza que dignifica o viver, enobrece a luta, pois, se todos fossem iguais a mim ou a você, viver não teria nenhuma graça.   
(Professor Alves, 05/2012)

sexta-feira, 27 de abril de 2012

EU TE AMO


              
         “Eu te amo.” É a frase mais dita e ouvida no mundo inteiro. Mas o interessante é como se diz: “Eu te amo...” baixinho, quase sussurrando, deprecando, quase implorando ao ser amado que devolva esse amor. Ou então “EU TEAMO!” arrogante, mandando, exigindo que a pessoa amada também o ame e propague ao mundo esse amor. Já ouvi, acho que numa música, um “Eu te amo, porra.” Esse não é arrogante, é intimidador, ameaçador. “Não vai me amar...? tente pra ver o que lhe acontece...” Coitado do ente ‘amado’. Já ouvi num desses cartõezinhos que são veiculados na rede um "Sorria, eu te amo". Dá pra perceber a importância do ser amado! Nenhuma. Importante aí é quem ama, pois é o motivo da alegria  de quem é amado, quando deveria ser exatamente o contrário. E assim vai.
              Durante o Romantismo, refiro-me ao período do século XIX em que predominou esse estilo de época, dizer “Eu te amo”, era um bom negócio. A sociedade estava precisando de ‘bons casamentos’ para produzir ‘boas famílias’. Mas “eu te amo” também era dito a beira de penhascos, em bosques ermos. E nos dois casos se a resposta fosse “mas eu não te amo”, o precipício seria a morada derradeira do amante não correspondido. Ou se dizia “eu te amo” entre quatro paredes, a sós, sem ninguém para ouvir. Só o amante e sua solidão. E assim já sabemos como fica o verbo amar.
              Já no período em que a máscara dos amantes caíra, refiro ao período do Realismo, dizer “eu te amo” era um caso de adultério, pois só as amantes casadas ouviam de seus amantes e não dos maridos “eu te amo”, flácido, apenas com interesses que não eram financeiros.
              Mas foi talvez no período das novelas televisivas iniciadas já na década de sessenta que dizer “eu te amo” tornou-se moda. E todos repetem inspirados nas novelas das seis, sete... “eu te amo”, mas sempre com tons suplicantes, arrogantes, ameaçadores. E o amor assim se torna moeda de troca ou de compra ou de mando. Não vamos mexer em jornalismo, mas quantas pessoas morreram só nos últimos anos ou mataram porque quem era amado não correspondia a esse estranho amor!

              O certo é que ninguém doa amor, ninguém ama para amar e ser feliz. Ninguém diz “eu te amo, obrigado”. Obrigado pelo quê!? Pela pessoa amada existir. Ninguém fala: “Eu te amo, obrigado por você existir, por eu ter a quem amar. Minha vida era tão sensabor, inodora, incolor até que você apareceu e eu encontrei um motivo para viver, um motivo para respirar. Minha vida hoje é um arco íris cujas cores alegram e enfeitam o que antes não tinha sentido.  Que alegria ter você no mundo. Não, não precisa me amar, viu. Seria ótimo se você me amasse, mas não dá, eu sei. Valeu mesmo, muito obrigado.”
(Professor Alves, 04/12)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

ÀS SEIS DA TARDE


Às seis da tarde
as mulheres choravam
no banheiro.
Não choravam por isso
ou por aquilo
choravam porque o pranto subia
garganta acima
mesmo se os filhos cresciam
com boa saúde
se havia comida no fogo
e se o marido lhes dava
do bom
e do melhor
choravam porque no céu
além do basculante
o dia se punha
porque uma ânsia
uma dor
uma gastura
era só o que sobrava
dos seus sonhos.

Agora
às seis da tarde
as mulheres regressam do trabalho
o dia se põe
os filhos crescem
o fogo espera
e elas não podem
não querem
chorar na condução
Marina Colasanti

quinta-feira, 19 de abril de 2012

EMBRIAGA-TE


http://imgs.obviousmag.org/archives/uploads/2006/061112_pissaro_montmartre1.jpg


Devemos andar sempre bêbados.
Tudo se resume nisso.
Para não sentires o tremendo fardo do tempo que te pesa sobre os ombros e te verga ao [encontro da terra,  
Embriagar-te sem cessar.
Mas com quê!
Com vinho, com poesia, ou com a virtude.
A teu gosto.
E se alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre as verdes ervas de uma vala, na [solidão morna do teu quarto, no adro de uma catedral ou sob o sol causticante da [caatinga tu acordares com a embriaguez atenuada ou desaparecida, 
Pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que se cala, a tudo o [que grita, a tudo o que canta, a tudo o [que fala;
Pergunta-lhes que horas são: 
"São horas de te embriagares.
Para não seres como os escravos martirizados do Tempo, injustiçado dos homens, 
embriaga-te, embriaga-te sem cessar. 
Ma como quê!
Com vinho, com Poesia. com a virtude".
A teu gosto!
(Baudelaire, adaptado)

sábado, 7 de abril de 2012

O GATO E O GALO

               

Sempre que observo uma pessoa preocupada se há alguém pronta a molestá-la, lembro-me de uma história que meu pai contava sobre o camundongo que saiu pela primeira vez ao quintal. É bem provável que você já tenha ouvido uma versão dessa história, e é provável também que já tenha feito a reflexão que me perpassa a mente quando me lembro dela.
               Conta a narrativa que uma camundongo, com poucos dias de estada (estadia é só pra navio) no mundo, implorou à mamãe ratazana que o deixasse passear uma pouco no quintal. A mãe, temendo pela segurança do filhote, já adiara esse passeio algumas vezes. Mas agora não tinha jeito, era esse o destino dos filhos, ela sabia “que depois que cresce o filho vira passarinho e quer voar”. Deu então a permissão para que o filhote fosse enfim conhecer o mundo. Mas não sem antes cobri-lo de cuidados: “Cuidado com o sereno, não vá se expor ao sol, cuidado com comida estragada e... cuidado com o gato. Que bicho terrível é esse tal de gato. Vive a nos perseguir, não nos deixa em paz. É deveras espalhafatoso, tem uma cauda enorme e, quando vê um de nós, se arma todo. Ai, quantos de nós já padecemos nas mãos desse terrível assassino”.


               Assim, no dia seguinte, saiu para passear, cheio de cautela, nosso amigo ratinho. Com um gorrinho na cabeça, para não padecer ao frio, nem sucumbir ao sol. Assustado observando atentamente a presença do perigo. Olhando para uma janela, viu um animal muito bonito. Este dormia e não pôde vê-lo. Como era lindo, pensou o ratinho, fofo, com pelos alvos como as nuvens contadas pela mamãe. Devia ser um desses bons amigos de nossa família. De súbito ouviu um barulho terrível, assustado, viu aquele animal cheio de penas, amarelas e pretas num contraste assombroso e fazendo um cocoricar de arrepiar os pelos do pobrezinho, que de imediato concluiu: “aquele deve ser o tal de gato, que tantos males nos faz”.  E voltou assustado para a toca.
(Professor Alves, baseado em uma fábula popular)

terça-feira, 3 de abril de 2012

A LIÇÃO DOS GANSOS


            Duas vezes por ano, cinco milhões de gansos enfrentam uma verdadeira maratona. Durante três meses, percorrem mais de cinco mil Km, migrando das regiões árticas para lugares mais quentes e voltando novamente na primavera para procriar.
            A motivação para essa jornada é garantir a própria vida. O ambiente é de cooperação. Em grupo, adotam uma formação em V na qual todos se beneficiam do impulso gerado pela batida das asas de seus companheiros. Quando está voando sozinho, o ganso sente a resistência do ar e se cansa rapidamente. Assim, o trabalho de cada animal facilita a vida dos outros. Todos dão o máximo de si para alcançar o objetivo. O trabalho de cada um é valorizado. Quando o ganso que lidera o grupo cansa, rapidamente outro chega para ajudá-lo, ocupando seu lugar. Quando um animal fica doente, gansos saem da formação e o acompanham para protegê-lo. Voando na formação em V, os gansos fazem um grande barulho. O objetivo? Animar os companheiro e manter o ritmo de voo.
            E você? Gostaria que seus companheiros de trabalho fossem como os gansos?                                

"Um exército de ovelhas liderado por um leão derrotaria um exército de leões liderado por uma ovelha."

sexta-feira, 30 de março de 2012

NOITE DE ALMIRANTE

   

OU A ETERNIDADE AMOROSA

         Ontem estive lendo pela centésima vez (estou hiperbólico) a desafortunada vida amorosa de Deolindo Venta Grande, personagem do conto Noite de Almirante de Machado de Assis (este era, é e será sempre O CARA). Nesse conto, Deolindo, trabalhador embarcado de um navio, em terra, se apaixona por Genoveva (também conheci uma na adolescência, e a história não foi muito diferente. rsrs). O amor foi tão avassalador que os dois pensaram em morar juntos. Deolindo abandonaria a embarcação e ancoraria sua vida à de Genoveva, um lócus amoenus, numa aurea mediocritas. Se não fosse a velha Inácia, espécie de tia da moça, eles teriam feito besteira. Deolindo precisava trabalhar, e no dia do embarque, choro, tristeza, juras e muitas juras: ambos juraram amor eterno. Como se Cupido fosse preguiçoso. Dez meses depois, ele retornou para o seio de Genoveva, “colozinho de Genoveva”. Trazia-lhe um mimo, um lindo par de brincos, comprado com as economias e trazia-lhe o corpo casto, embora não fossem poucas as tentações. Anos depois João Guimarães Rosa definiria Jó Joaquim, personagem de Desenredo, assim: “bom como o cheiro da cerveja”. Era assim Deolindo. Bom e querido por todos.
            Quando Venta Grande se aproximava da casa de Genoveva, deve ter estranhado a ausência da moça à janela. Era assim que deveria ser. A musa esperando melancólica seu poeta, como bem mais tarde Wando assinalaria em “A Menina e o Poeta”, imortalizada na voz de Roberto Carlos. Mas nada. Estava tudo fechado. Quando Dona Inácia veio abrir a porta, Deolindo nem a cumprimentou, perguntou ansioso pela amada. O chão afundou, com o peso do marinheiro ao saber ele que a moça havia se amancebado com o mascate. A polidez machadiana jamais permitiria o uso desse termo, mas peço licença para utilizá-lo. Amancebou-se Genoveva com o mascate. Pode?! Deolindo de endereço na cabeça saiu, pisando firme, imaginando a faca vingadora ensanguentada. Ia tão desapercebido em seus devaneios vingativos que nem percebeu Genoveva, à janela. Diante da moça, não sabia o que fazer, ela era espontânea, interrogativa, feliz com vê-lo. Não tinha o peso da vergonha culposa sobre os ombros. Até porque nada tinha feito nada para isso. Era inocente, quase anjo, sem mácula. Desarmado, Venta Grande balbuciava e respondia às perguntas da moça a respeito das viagens... Até que chegou o solene momento em que o mestre da Literatura e do conto manipula Deolindo à pergunta que não pode calar: e a jura! você não jurou amor eterno! Então não era verdade? Claro que era! Quando jurei era verdade!

            Alguém duvida da honestidade de Genoveva? Claro que não. É assim o amor. São dois mestres da poesia que bem definem a eternidade amorosa. O primeiro é Vinícius de Morais:

                            “Que não seja imortal, posto que é chama
                             Mas que seja infinito, enquanto dure!”

O outro é Pedro Lira:

                       “...Isso já estava morto e martelava
                       Por hábito por vício ou por capricho
                       (...)
                       Quem trai faz um favor, derrete o nó
                       E segue a natureza por que aquilo
                       Não era mais amor, era insistência”  


Eis o quanto dura a eternidade amorosa: um nada. Ou uma vida inteira. O tempo é com certeza o maior inimigo dos juramentos amorosos. Na presença ou não de um padre, ou de Deus. Mas é isso a eternidade, é enquanto ela dura. Um amor pode durar uma noite, uma semana, uma vida. O importante é aproveitá-lo sem se preocupar quando ele vai se esvair.
Deolindo foi fiel, não se envolveu com nenhuma mulher nas suas andanças. Genoveva também. Só que Genoveva devido á sua condição feminina estava parada, sonhando, pensando no amante. Aí veio o mascate. Papo vai papo vem...
O certo é que o marujo não matou nem se matou, pois a vida continua. É certo também que na próxima viagem ele terá mais olhos para as suecas, dinamarquesas, africanas.
(Professor Alves, março de 2012)


quarta-feira, 28 de março de 2012

INCLUSÃO: REALIDADE OU EMBROMAÇÃO?

       Há alguns anos, numa escola particular regular, deparei com uma situação no mínimo constrangedora para mim: um aluno surdo entre mais ou menos trinta ouvintes. Chamemo-lo  de Lucas para ocultar sua identidade. O que me constrangia era principalmente a minha incompetência para lidar com o mesmo.

          Lembro-me de que ele era, pelo menos me parecia, proficiente em leitura labial. Por isso ocupava um dos primeiros lugares na frente e se punha estrategicamente de modo que pudesse fazer a leitura dos professores enquanto eles expunham sua matéria. Eu, como professor de Língua Portuguesa, sentia-me perturbado, pois no íntimo, por intuição, sabia que boa parte das definições que ali punha e expunha eram desnecessárias para o Lucas. O pior de tudo era que meu despreparo fazia com que me esquecesse do menino. Assim de vez em quando ficava falando de costas para a turma, enquanto escrevia, até que alguém dizia: “Professor, o Lucas não está conseguindo ler seus lábios”. Restava-me policiar-me para tentar não cometer o mesmo engano.
          Ouvia amiúde na sala dos professores comentários de colegas, e seus constrangimentos não eram menores que o meu. Entretanto nunca vi em nenhuma reunião pedagógica os gestores dessa área fazerem nenhuma citação sobre o problema. Ou seja, para eles o Lucas era apenas mais um aluno dentre tantos.
             Há mais tempo ainda, em uma outra escola, deparei-me com um problema similar. Uma aluna deficiente visual. Quando iniciava a aula ouvia ininterruptamente o barulhinho do material de braile que ela utilizava. Era necessário a todo instante que ficasse falando o que iria escrever. Mas o que eu mais admirava era a dedicação que os alunos tinham para com ela. Todos os dias os alunos se revesavam na tarefa de ajudá-la, numa clara demonstração de que os jovens estão sim preparados para receber e acolher com satisfação colegas "especiais". Lembremos que o mesmo ocorria no caso Lucas. Mais uma vez não lembro de essa escola ter convidado alguém do Instituto dos cegos para palestrar a respeito de como lidar com a deficiência visual total.

          Hoje trabalho na Escola Pública e vejo dia após dia comentários a respeito de escola inclusiva. Todos os anos fico sobressaltado, esperando alunos com deficiências visuais ou auditivas entrarem em minha sala e eu não saber como lidar com elas. Por isso resolvi por conta própria me matricular em um curso de LIBRAS, para que não ocorra o que aconteceu no caso Lucas. Mesmo assim sei que a Escola Pública fala muito em inclusão, mas não está preparada, nem tampouco se preparando para receber alunos com necessidades especiais.
(Professor Alves, texto produzido como Atividade Reflexiva do curso de Libras on line, Portal da Educação)

terça-feira, 27 de março de 2012

RECORDO AINDA...


(Para Dyonelio Machado)
Recordo ainda… e nada mais me importa…
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta…
Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança…
Estrada afora após segui… Mas, ai,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iluda o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino… acreditai…
Que envelheceu, um dia, de repente!

terça-feira, 20 de março de 2012

SUS OJOS


             
                  “Yo no creo en las brujas
                      pero que las hay, las hay”
                                     (Provérbio espanhol)

¿Donde está aquella niña
Cuyos ojos me han quedado?
¿Dónde está que no la miro?
De pasión me ha embrujado.

Desde algún tiempo,
Desde que la miré
No tengo más quietud!
Nunca más la tendré?

No se dio ni cuenta
Qué cuando la he mirado
Esclavo de sus ojos
Me he de pronto tornado.

Así, tonto, desde entonces,
Quedome, sin fuerza, minado
Como un borracho por las calles,
Rengo he siempre estado.

Pero no sé su nombre
Pero siquiera oí su voz
Solamente sus ojos
Me han sido feroces.

Donde está aquella niña
Quien tiene ojos tan claros,
Que me cautivaron de pronto
Ojos  tacaños, avaros?
                 (Professor Alves, 11/2007)

quarta-feira, 7 de março de 2012

DIA INTERNACIONAL DA LUTA DA MULHER






Dia 08 de março é dia internacional da luta da mulher. Essa luta também é nossa, dos homens. Somos feitos de amor e todo esse amor adveio para nós da essência feminina. "Nós só não somos totalmente maus porque adviemos de um ventre feminino". (alguém já o disse) É por isso que se faz necessário que empreendamos esforços nessa trincheira, pois o que estamos defendendo de fato é a nossa própria essência, o nosso ego, o nosso mundo interior. às mulheres cabe a frente da batalha.

Infelizmente, vivemos num país em que mulheres são assassinadas em escala bélica. Morre mais mulheres no Brasil de assassínio do que em muitas guerras morrem homens. E o pior é que quem as está assassinando somos nós. É o nosso ego violento, ciumento, autoritário. Faz-se mister que não as presenteemos só com flores, chocolates ou coisa que o valha, mas com aquilo de que elas realmente precisam: confiança, amor, respeito.

(PROFESSOR ALVES)

terça-feira, 6 de março de 2012

AMOR E DESPEITA


SONETO I
(do anonimato)

Sabe, Senhorita, o quanto suspiro
Toda vez que teu cheiro por mim passa
Sabe que se a teus pés não me atiro
É a voz do orgulho que o meu peito enlaça.

Sabe que os meus olhos seguem teus passos,
Quando mudas de rumo a face viro,
Sem querer me olhas, sonho ter teus abraços,
Assim que partes, triste me retiro.

No entanto mal surge o dia seguinte
‘Magino sorridente  o teu semblante
E anseio logo estar perto de ti.

Vejo, então, feito um reles pedinte,
Do anonimato, o peito radiante,
Teu olhar que sempre igual nunca vi.

(Professor Alves)

SONETO II
(do enlace fatal)

Porém, Senhorita, em breve estarás
Matrimônio ao pé do altar contraindo
Como um cisne, em véu contente sorrindo,
Triste, sombrio, meu peito deixarás.

Quando pisares o degrau vermelho
E as estrelas brilharem por teu encanto
Em teu louvor derramarei meu pranto
E então sonharei ser teu espelho.

A vida seguirá seu curso normal
Entanto algo em meu ser estará vazio
Um pedaço de mim estará faltando:

É teu olhar agora inda mais formal
É teu sorriso ainda mais fugidio:
A esperança anônima enfim findando.

                    Professor Alves,  setembro de 2003
  

POST CONUBIUM
(da despeita)

Senhora, ontem casualmente a vi,
Fiquei pasmado com sua ímpar figura
Tão que no que vi, Senhora, não cri:
Há muito não via tanta feiura.

Lembra-me a beleza que antes medi:
Porte airoso, corpo esbelto, tez pura,
Sua fina mão que outrora segui,
Seu lindo sorriso, digno de mesura.

Porém, a imagem que hoje vislumbrei,
Dois cambitos, bucho proeminente,
O rosto diferia do que eu beijei.

Tão pouco tempo, meu bem, se passou
(Se não me engano, faltam-lhe dois dentes)
E o casamento com você acabou!
                  
 ( Professor Alves, janeiro de 2005 ) 

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O PEIXINHO


(Para Mário Quintana)

O peixinho era tão pequenino
E eu tão desastrado
Ele tinha uma cor rosa
E eu não tinha o direito de ser desastrado
Ele rodopiava no saco  alegre como uma criança
Eu fui colocá-lo em sua casa
Ele caiu no ralo
Agora me há um vazio tão grande
"Que mesmo que eu bebesse o mar
Encheria o que eu  tenho de fundo".

Hoje eu compreendo a fragilidade das coisas pequenas
E eu compreendo a fragilidade da infância
Por que devemos cuidar dela
Para que ela não escape de nossos dedos
Para que não caia no ralo da vida
Para que não entre pelo cano.
               (Professor Alves,   Janeiro de 2004)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A ÚLTIMA NOTA





Quando chegamos ao apartamento dele, nada mais restava do que fora em vida. Apenas uma massa putrefata jazia estendida no assoalho. A mão esquerda crispada como se procurasse uma nota silenciosa no violão, que tantas vezes nos alegrava no ritmo de sua voz.
Foi tudo muito rápido. Do telefonema à entrada no apartamento com a ajuda da polícia. Era como se a realidade se invertesse, perdesse o sentido a nos amedrontar com suas armadilhas infelizes. O show mais uma vez tinha sido maravilhoso, encerrado como sempre com uma performance de The Wall, em que o violão quase falava. Depois sentou-se à mesa conosco, e elogiamos o repertório e falamos de mulheres e de sua solidão.
     Didi Nascimento tinha entre trinta e dois e trinta e seis anos. Era um moço bonito além de talentoso. Sabíamos vagamente que havia sido casado e que a separação tinha sido por motivos levianos, não de sua parte, mas da companheira. Decidira-se morar só. O corpo do violão seria sua eterna companhia. Fortuitamente saía com algumas mulheres, sempre diversa, para se proteger de armadilhas do coração. A melancolia, entretanto, não era o forte de seu repertório. O romantismo no máximo chegava a Chico Buarque, Mil perdões e coisas do gênero. Não foi por acaso que instamos com ele, quando recebeu o diagnóstico de arritmia cardíaca, para que casasse ou mesmo encontrasse alguém para dividir o apartamento, podia ser um amigo. Para nos acalmar disse que iria pensar no caso. Não deu tempo.
       Naquela noite, estávamos a fim de ficar em casa. Não iríamos como de costume à Praia de Iracema onde ficam os “barzinhos” da cidade onde podemos, ainda, ouvir uma boa música. Quando o telefone tocou, não sei por que senti um frio na espinha. Bobagem! Ao atender, ouvi do outro lado a voz embargada de nossa amiga Albetiza. Ela instava para que fôssemos à casa de Didi. Ele não havia ligado nos últimos dias e não havia aparecido no The Wall Bar, onde deveria estar trabalhando. Chegamos ao condomínio e fomos informados de que depois que chegara naquela quinta-feira ele não havia saído de casa. Ligamos para a polícia e constamos o óbvio. Sozinho, nosso amigo foi acometido de uma crise de arritmia, tentou desesperadamente chegar até o telefone, no outro lado do quarto, sobre um criado-mudo, onde conservava ainda a foto da ex-esposa, perto do amigo violão. Tentou em vão chegar ali, talvez com a finalidade de ligar para alguém, mas morreu com as mãos crispadas entre a esperança de alcançar o aparelho ou de tocar a foto da amada ou mesmo a última nota de sua vida.
(Professor Alves)

NA ESCURIDÃO MISERÁVEL

FERNANDO SABINO  “Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o m...